
O medo de dirigir, também conhecido como amaxofobia, é uma dificuldade que impacta diretamente a vida de muitas pessoas, em sua maioria mulheres. Para além da ansiedade e do sofrimento pessoal, existe ainda um obstáculo silencioso que nem sempre é reconhecido: a forma como familiares, amigos ou parceiros reagem ao processo de superação.
Em muitos lares, o carro não é visto apenas como um meio de transporte, mas quase como um patrimônio afetivo da família. O veículo se torna um símbolo de status, de cuidado e até de apego. É justamente nesse ponto que começam os conflitos: quando a paciente em tratamento com Terapia cognitivo-comportamental (TCC) precisa enfrentar o medo, muitas vezes não encontra apoio, mas sim resistência.
O ciúme do carro e a invalidação da coragem
É comum ouvir relatos de pessoas, que ao tentar dirigir escutam frases como:
- “você não vai conseguir”
- “vai acabar batendo o carro”
- “prefiro que você não dirija, eu cuido disso”
Essas falas, por mais simples que pareçam e em grande maioria reflete uma tentativa das pessoas desejarem ajudar, invalidam a motivação e reforçam a insegurança, as crenças e os pensamentos automáticos disfuncionais de quem já lida com a ansiedade. Em alguns casos, o carro é tratado com mais valor do que o processo de autonomia da própria pessoa.
Barreiras criadas dentro de casa
Há situações em que, de forma consciente ou não, familiares criam ainda mais dificuldades para as mulheres em tratamento:
- Adquirem veículos grandes, pesados e que aumentam os pensamentos relativos à dificuldade de manobrar;
- Mantém os veículos em garagens ou locais de maior dificuldade para acesso;
- Evitam ceder o veículo, criando um espaço de “território proibido”
Essas atitudes podem ser fruto da ansiedade da própria pessoa que cria os obstáculos, e pode incluir medo de danos materiais, medo que a pessoa com amaxofobia não consiga realizar seu processo de superação. Assim como, pode revelar também um traço de controle e dependência: se a mulher não dirige, permanece dependente de alguém para se locomover.
O papel do tratamento no resgate da autonomia
O tratamento com especialistas focado na terapia cognitivo-comportamental ajuda a pessoa a:
- Reconhecer e questionar pensamentos automáticos (“não sou capaz”, “vou perder o controle”);
- Expor-se gradualmente a situações de direção, reduzindo a ansiedade passo a passo;
- Desenvolver autocompaixão, enfrentando críticas externas e internas
Apesar dos obstáculos externos, existem estratégias que podem ajudar a manter o foco no tratamento:
- Atenção plena ao volante: antes de dirigir, pare alguns instantes, respire fundo e perceba seu corpo em contato com o banco; observe seus pensamentos sem julgá-los (“eles estão aí, mas não precisam mandar em mim”); foque no momento presente, sem se perder em medos do que pode acontecer.
- Conhecimento como aliado: estude regras de trânsito, quanto mais você conhecer, menos vulnerável ficará a críticas; aprenda sobre o seu carro, posição do volante, espelhos, ajustes de banco, funções. Isso gera segurança real, não apenas emocional.
- Pequenos passos da TCC: comece com trajetos curtos e fáceis, ampliando gradualmente; anote cada conquista, por menor que pareça, estacionar, mudar de faixa, tirar da garagem; reestruture pensamentos, troque “vou bater” por “estou aprendendo e cada treino me fortalece”.
- Estabeleça limites saudáveis: caso alguém desvalorize seus esforços, responda com firmeza – “estou em tratamento e preciso praticar, sua crítica não me ajuda, mas posso aceitar apoio”; lembre-se que a autonomia é sua, não depende da permissão de ninguém”.
Dirigir representa independência, liberdade e dignidade. Negar a uma mulher o direito de aprender ou praticar, sob o argumento de preservar o carro ou de "protege-la”, é também negar sua autonomia. Amaxofobia não é preguiça, não é frescura. É um desafio real, mas superável. E cada pequeno avanço ao volante é uma vitória contra o medo e contra qualquer forma de invalidação.